O Cânone da Bíblia Hebraica

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O cânone bíblico se refere a uma série de textos considerados sagrados que, juntos, constituem a Bíblia. É um corpus de livros que é seguido principalmente em ritos judaicos e cristãos. “Canonização”, neste contexto, é o processo que aceita textos autorizados para fixá-los em uma lista exclusiva de livros que têm autoridade vinculante especialmente para uma comunidade.

A palavra grega “κανών” (cânone) vem da terminologia usada pela Igreja Cristã, embora sua origem seja muito mais antiga. Seu primeiro significado aparece no acadiano “ganû” e no sumério “gi-na” e no hebraico “kané”. Seu significado original é “cana” ou “vara”, que era um “instrumento de medição de um construtor” ou uma “escala”. A partir daí a palavra foi para o grego como “padrão”, “regra” ou “critério” e em latim “norma”. Em seguida, mudou para denotar uma coleção de obras-primas, sendo adotado pelo ensino cristão como uma palavra que indica “um grupo de livros contendo os princípios da fé”. Os judeus nunca usaram a palavra “cânone”. O termo comum na literatura rabínica é “Sagradas Escrituras”, que também é usado no Novo Testamento (na segunda carta a Timóteo 3:5 e na carta a Romanos 1:2).

O cânone judeu é chamado em hebraico “Mikrá” ou “Tanaj”. O nome “Mikrá” literalmente significa “o que está escrito” e é paralelo ao termo “Escrituras”. “Tanaj” é uma abreviatura do nome das três subdivisões da Bíblia: “Ta” =Torá ou o Pentateuco; “Na” =Neviim que significa profetas e “J” =Ketuvim, conhecidos como Hagiógrafos ou (o resto dos) Escritos. O “Tanaj” todo compreende 24 livros.

Uma tarefa difícil é acompanhar o processo de canonização do Antigo Testamento, devido à falta de documentação, mas pode ser resumida da seguinte forma:

– Esdras, o escriba, estabelece o primeiro “cânone” para os livros do Pentateuco, com o apoio imperial persa e o consentimento de Neemias, governador da satrapia da Judéia. 

-As próximas fontes antigas sobre o assunto são o Prólogo do Livro de Ben Sira (c.132 a.e.c.), que menciona “a lei e os profetas e os outros livros de nossos pais”. 

– Em II Macabeus (2:2-3) se menciona” a Lei, os reis e profetas, os escritos de Davi”. Na Septuaginta, a Torá e os Neviim parecem canônicos, mas pareceria que os Ketuvim ainda não haviam sido aceitos.

– O historiador Flávio Josefo conhece os “cinco livros de Moisés”, “os profetas” e “os livros restantes” (Apion 1:39-41). Ele mesmo dá testemunho de que a autoria profética, com sua autoridade inerente, foi essencial para que um livro fosse incluído no cânone.

– A mesma “norma” canônica é especificada no Novo Testamento. Para Lucas (24:32-44), as Escrituras consistem na “Lei de Moisés, dos Profetas e dos Salmos”. 

– Na biblioteca dos Manuscritos do Mar Morto, 900 manuscritos foram encontrados, entre eles, 225 cópias de livros bíblicos. No pergaminho Miksat Ma’ase Ha-Torah, “Algumas regras relacionadas à Torá”, (4Q MMT), somos informados de que a seita de Qumran acreditava na santidade de um corpus de três partes que incluía “Moisés, os profetas e Davi”. A terceira categoria, David, difere dos Ketuvim tradicionais e talvez inclua apenas os Salmos, o livro bíblico preferido pelos sectários. Essa lista é semelhante à já citada por Lucas.

Sabemos que a canonização de vários componentes dos Ketuvim foi debatida na literatura rabínica, incluindo o Cântico dos Cânticos e Eclesiastes. Da mesma forma, sabemos que entre os manuscritos de Qumran, o livro de Ester não estava presente.

Em 1538, o estudioso Ashkenazi Elijah Levita propôs que Esdras e seus assistentes haviam compilado a Bíblia tripartida de 24 livros. Essa ideia dominou os estudos até o final do século XIX.

A Mishná compilada no final do segundo século e.c., descreve um debate sobre alguns livros hagiográficos. Com base nessas referências, o historiador Heinrich Graetz concluiu, em 1871, que um Concílio na cidade de Jamnia (ou Yavne em hebraico) havia definido o cânone judaico naquela época. Esse corolário de Graetz foi aceito no meio acadêmico até meados do século XX. Pesquisadores posteriores que se aprofundaram no assunto descobriram que as discussões em Yavne não eram sobre a canonização de textos bíblicos, mas sobre outros assuntos, concluindo assim que não há consenso acadêmico sobre onde ou quando o cânone judaico foi estabelecido. A única coisa certa é seu conteúdo.

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