Khirbet Qeiyafa: uma fortaleza do Rei Davi?

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Khirbet Qeiyafa

Khirbet Qeiyafa é o local de uma antiga cidade-fortaleza com vista para o vale de Elah, perto da cidade israelense de Beit Shemesh, a 30 km de Jerusalém. O Prof. Yosef Garfinkel da Universidade Hebraica de Jerusalém e o arqueólogo Saar Ganor, da Autoridade de Antiguidades de Israel, identificaram o sítio de Khirbet Qeiyafa com a cidade bíblica de Sha’arayim (Saaraim em espanhol), mencionada no contexto da batalha de Davi contra Golias quando os filisteus, ao verem seu campeão morto, fugiram perseguidos pelos israelitas: “Então, os homens de Israel e de Judá se levantaram, gritaram e perseguiram os filisteus até o vale e até as portas de Ecrom. E os feridos dos filisteus caíram pelo caminho de Saaraim até Gate e Ecrom” (1 Samuel 17:52).

Prof. Yosef Garfinkel
Prof. Yosef Garfinkel, o arqueólogo da Universidade Hebraica que escavou Khirbet Qeiyafa.

As escavações arqueológicas em Khirbet Qeiyafa, realizadas entre 2007 e 2013, revelaram numerosas descobertas arqueológicas que despertaram interesse na comunidade acadêmica internacional, tanto pela singularidade dos artefatos encontrados lá quanto pela interpretação dos especialistas dessas descobertas, que geraram alguma controvérsia.

As descobertas arqueológicas mais significativas de Khirbet Qeiyafa são as seguintes:

  • Dos caroços de azeitona foram datados por meio de testes de carbono 14 em laboratório, concluindo-se que eles pertencem ao final do século X a.C., mais precisamente aos anos de -1020 a -980.
  • Duas portas de entrada para a cidade, que possuem exatamente as mesmas medidas e o mesmo estilo arquitetônico com quatro compartimentos. Esse fato é inédito na arqueologia bíblica, pois em nenhum outro sítio arqueológico da época foram encontradas cidades ou fortalezas com duas portas.
Khirbet Qeiyafa
Uma das duas portas de entrada para Khirbet Qeiyafa. Ambas as portas são idênticas.
  • Fortificação maciça: o sítio possui um muro de casamata (ou seja, dois muros paralelos com uma série de pequenos compartimentos entre eles) muito impressionante, que incorpora pedras ciclópicas com peso de até 8 toneladas. Essa intensidade de construção não é conhecida nas cidades cananeias da Idade do Bronze Final, nem nos centenas de pequenos sítios da Idade do Ferro na região montanhosa de Israel. Mesmo em Filístia, a tradição de construção é feita com tijolos, não com pedra, como demonstrado pelos muros descobertos em Asdode, Ascalon e Ecrom. A arquitetura dos muros de casamata não é conhecida nas cidades cananeias da Idade do Bronze Final na Terra de Israel, nem nos sítios filisteus. O planejamento urbano segue um modelo conhecido de outras cidades da época do Primeiro Templo, como Tel Sheva, Beit Shemesh e outros lugares, onde as casas são construídas adjuntas à muralha de casamata. 
Vista aérea de  Khirbet Qeiyafa
Vista aérea de Khirbet Qeiyafa. Uma cidade murada no Vale de Elá.
  • Milhares de ossos de animais foram descobertos no local, incluindo cabras, ovelhas e vacas. Não foram encontrados ossos de porco, o que leva à conclusão de que aparentemente seus habitantes respeitavam as regras alimentares do judaísmo (Kosher), que proíbe o consumo da carne desse animal.
  • No local, foi descoberta uma ostraca (textos escritos em fragmentos de cerâmica) em hebraico proto-cananeu, com cinco linhas e um total de 70 letras. Esse texto é muito difícil de decifrar, o que gerou debate entre especialistas, e grande parte do conteúdo não está claro. No entanto, há um certo consenso de que a inscrição em hebraico data do final do século XI a.C.
Óstraca
Ostraca encontrada em Khirbet Qeiyafa
  • Foi encontrada uma inscrição em escrita alfabética cananeia na parte de uma jarra de cerâmica. A inscrição diz: “ʾIšbaʿal [/Ishbaal/Eshbaal], filho de Beda” e foi datada do final do século XI ou X a.C.
Ishbaal Hijo de Beda
Inscrição hebraica que diz “Ishbaal, filho de Beda”
  • A equipe arqueológica descobriu dois grandes edifícios datados do século X a.C., um deles sendo uma grande estrutura palaciana e o outro um armazém com colunas e centenas de vasos estampados.
  • Também foram descobertos três pequenos santuários portáteis. Os santuários menores têm forma de caixa com diferentes decorações, exibindo estilos arquitetônicos e decorativos impressionantes. Garfinkel sugeriu a existência de um paralelo bíblico em relação à existência desses santuários (2 Samuel 6). Um dos santuários é decorado com duas colunas e um leão. Segundo Garfinkel, o estilo e a decoração desses objetos de culto são muito semelhantes à descrição bíblica de algumas características do Templo de Salomão.
Santuarios portátiles de Khirbet Qeiyafa
Santuários portáteis de Khirbet Qeiyafa durante sua exibição no Museu das Terras Bíblicas em Jerusalém.

Estes achados arqueológicos levaram os especialistas a sugerir diferentes teorias. A mais consensual, defendida principalmente pelo Prof. Yosef Garfinkel, é que Khirbet Qeiyafa era uma fortaleza militar que também servia como centro administrativo e comercial da região de Judá durante o tempo do Rei Davi, localizada no Vale de Elá exatamente por ser a fronteira conturbada com os filisteus.

Vamos analisar:

  • A grande maioria dos achados arqueológicos data do final do século XI a.C., exatamente na época do Rei Davi.
  • Foram encontradas duas portas de entrada para a cidade, uma raridade, pois em nenhum outro lugar foi encontrada uma arquitetura semelhante. O nome do local mencionado em 1 Samuel 17:52, “Sha’arayim”, onde os filisteus fugiram após a derrota de Golias, significa em hebraico justamente “Duas portas”. Seria uma coincidência? Esse é o argumento mais decisivo a favor da identificação de Khirbet Qeiyafa com “Sha’arayim”.
  • A região do Vale de Elá é, não apenas de acordo com o relato bíblico, mas também confirmada pela arqueologia, a fronteira entre filisteus e israelitas. Como saber se um assentamento é filisteu ou israelita? Os filisteus se alimentavam de carne de porco e carne de cachorro, entre outros animais. Em assentamentos israelitas, não se encontram ossos desses animais. Além disso, em assentamentos filisteus, encontram-se cerâmicas de um estilo diferente que têm origem na área do Mar Egeu, exatamente de onde vieram os filisteus. A poucos quilômetros de Khirbet Qeiyafa, foram encontrados assentamentos filisteus, o que demonstra que o Vale de Elá era a fronteira entre os dois povos.
  • Os santuários portáteis lembram a estrutura do Templo de Salomão, mas em miniatura. Lembre-se de que, de acordo com o texto bíblico, Davi queria construir o Templo sagrado, mas no final, por decisão de Deus, ele foi construído por seu filho Salomão. Seria possível, então, que essas miniaturas servissem como modelo do que seria construído por Salomão alguns anos depois?

Agora, se este local não é uma fortaleza do Rei Davi identificada como a bíblica Sha’arayim, quais outros candidatos existem?

Há aqueles que afirmam que Khirbet Qeiyafa era uma fortaleza de uma época posterior. Outros acreditam que era uma fortaleza cananeia e até filisteia, e há aqueles que até sugerem que Khirbet Qeiyafa poderia representar uma fortaleza israelita do norte.

Outros especialistas consideram que não há informações suficientes para determinar a identidade da cidade, sua função e a época exata a que se refere, e, portanto, são necessárias mais escavações.

A polêmica sobre a existência do Rei Davi:

Os especialistas que identificam Khirbet Qeiyafa como uma fortaleza do Rei Davi consideram que essas descobertas são uma evidência contundente de que a influência do lendário rei ia além de Jerusalém e também é uma prova que reforça a historicidade de Davi como um rei proeminente e importante na região. Dessa forma, eles refutam os representantes da escola minimalista na arqueologia bíblica que consideram que, se o Rei Davi existiu (e hoje em dia há um certo consenso de que de fato existiu uma figura histórica com esse nome), ele teria sido apenas o chefe de uma pequena tribo em Jerusalém.

Conclusões:

Eu acredito que a identificação do Prof. Garfinkel é a mais lógica, pois as descobertas arqueológicas são contundentes sobre a época em que esse local foi construído, por volta do século X a.C., ou seja, na época de Davi. Além disso, é evidente que a fortaleza está localizada em uma área altamente conflituosa entre israelitas e filisteus. Basta abrir a Bíblia e ler sobre as contínuas batalhas entre esses dois povos nessa região. E, finalmente, a evidência mais contundente de todas: o nome do local. “Sha’arayim” significa “duas portas” em hebraico, e justamente em Khirbet Qeiyafa foi encontrada uma cidade murada com duas portas, um caso único entre tantas cidades judaítas da época do Primeiro Templo que foram escavadas.

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